Deveria só ser uma data qualquer, de um negócio qualquer, de um estranho qualquer. Quaisquer lembranças de quaisquer medos e quaisquer sentimentos. Quaisquer histórias de qualquer conto de qualquer monstro. Qualquer canção de qualquer idade, de qualquer coincidência.
Qualquer verdade.
Qualquer mentida.
Qualquer história mal-contada por cactus, iodo e lama. Qualquer anseio inútil e desprezível.
Meia-noite. Contara no relógio tão distraída que sequer ouvia o tic-tac dos segundos. Os contava ainda assim. Cada badalada era um punhal retorcido em seu peito disfarçado de rosa e trovão. Uma tempestade calma e inquieta arrepiou suas veias e se manteve firme. Pés afundados em areia; ondas do mar afastando-a de sua cama.
Questionou-se sobre a concha com a qual o tinha presenteado. Questionou-o sobre as canções, sobre o livro de contos incomum que a rendera um sorriso alvo e mágico de retorno. Questionou-se sobre o medo, sobre a promessa, sobre a coragem e sobre o sonho. Será que os guardava num casto baú, ou talvez em uma fétida lata de lixo? Estremeceu diante de tal tortura. Na estrada de terra apareciam e desapareciam diante de si sinais de sua coexistência. O coração vibrava com um furor juvenil. Aquieta-te! - Gritou a si mesma. - Anjos não existem. Tudo é tua pura fantasia mental. Um arco-íris gerado com suas próprias tintas e noites de insônia. Tudo não passa de tuas doses de tequila, tuas lágrimas e teus doces cor-de-abóbora que tanto fazes questão de engolir. Tudo com gosto amago, um amargo que por fim se torna doce no teu delírio. É só um sonho que se encerra quando por fim teu sono vêm.
Guia-te, criança infeliz. Guia-te pelas veredas obsoletas e obscuras de teu coração inchado e farto de agonia. Guia-te pelas calçadas fartas e inchadas do teu caminho, tão quebradas pelo furacão que se apossou e destruiu teu paraíso. Guia-te calma, mansa, sem pestanejar. Caminhe com queixo firme, olhar erguido, passadas fortes. Mostre ao mundo a beleza de teu olhar castanho e a firmeza de teus cabelos cinzas, revoltos pelo vento. Sem medo. E no fim, quando as trombetas soarem e as badaladas acabarem, me escreva uma carta e deixe-a me alcançar pelo vento. Terás longe o meu sorriso e o meu olhar. E quando o alcançar, sei exatamente quais serão as tuas palavras:
Querido anjo que não existe nem no alto céu nem no baixo inferno. Tua desgraça caiu sobre mim em tua hora. Teu nascimento gerou minha destruição, e a minha destruição é a tua sina. Santo anjo do Senhor, maldito em tuas vestes, sacro em teus caminhos, guia-me para fora do inferno e para longe do céu. Traça as lágrimas de meus olhos e esconda o sorriso de meus lábios. Destrua-me. Salva-me. Liberta-me. Revela-me. Que meu suspiro santo seja teu presente mais valioso.
Feliz aniversário, doce destruição.
Angels Punishment.
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